VATICANO
Vítimas de abuso chegam de bicicleta ao Vaticano e entregam carta ao Papa
Salvatore Cernuzio, Andressa Collet - Vatican News
Eles eram em 15, o mais velho com 80 anos, e pedalaram mais de 700 km de Munique, na Alemanha, até Roma, na Itália, para encontrar o Papa Francisco e entregar uma carta na qual pedem um maior compromisso contra o abuso sexual, para que a Igreja possa ser "um lugar seguro para as crianças". O grupo de vítimas alemãs de violência por parte do clero participou da Audiência Geral desta quarta-feira (17) na Praça de São Pedro numa peregrinação simbólica de bicicleta intitulada "Estamos a caminho! Igreja, junte-se a nós?". Durante 11 dias, o grupo parou nas paróquias para abordar o problema e transmitir uma nova consciência no combate e na prevenção dos abusos.
Acompanhado de familiares, o grupo partiu em 6 de maio para a viagem que teve várias paradas intermediárias, sobretudo na Itália, para chegar a Roma e "olhar nos olhos" do Papa, como eles escrevem na carta, e entregá-lo essas linhas de dor pelas feridas que, segundo eles, muitas vezes voltam a "sangrar", mas que também são de esperança de que "os líderes da Igreja Católica enfrentarão os abusos do passado com coerência e decisão".
Compromisso forte e claro
O mais velho do grupo é Dietmar Achleitner, 80 anos, que quando criança frequentou um internato religioso onde foi abusado por sete anos, enquanto o mais jovem é Robert Köhler, 53 anos, também vítima de violência semelhante. Todos eles se uniram pelo fato de terem sofrido "graves violências físicas, sexuais e psicológicas" por parte de "pessoas confiadas a seus cuidados, muitas vezes ferindo profundamente e destruindo até mesmo a alma dos jovens". Eles escrevem isso na carta, na qual falam de um Evangelho que foi "pervertido" e que, contra o flagelo do abuso, "os primeiros passos foram dados, mas, do nosso ponto de vista, ainda é necessário um compromisso forte e claro de todos os responsáveis dentro da Cúria e nas dioceses da Igreja universal".
Feridas que sangram
O grupo de vítimas diz que espera que a Igreja faça tudo o que estiver ao seu alcance para garantir que "em todos os cantos" a questão do abuso sexual e espiritual "seja vista, abordada e evitada por meio de medidas preventivas apropriadas". Para as vítimas, também é necessário "enviar um sinal claro" a todos aqueles "que não cumpriram suas responsabilidades e que, até certo ponto, ainda não o fazem". Elas afirmam que "ainda sofrem as consequências" do abuso e falam de uma vida "afetada e restringida de diferentes maneiras e intensidades".
"A cada nova reportagem na mídia sobre abuso no contexto da Igreja", pode se ler na carta, "a cada relatório de especialistas que é produzido nas dioceses da Igreja universal e que revela as ações cruéis de padres e religiosos, bem como o fracasso e o acobertamento dos responsáveis, as cicatrizes se reabrem e as feridas começam a sangrar novamente. Daí a esperança de que a Igreja possa erradicar esse mal e voltar a permitir que os jovens e as crianças experimentem "a beleza e a libertação da mensagem de Jesus Cristo".
O "coração" do artista Michael Pendry
Simbolicamente, o grupo presenteou o Papa com a obra de arte "Heart" (Coração), a representação de um coração feito por um artista de Munique, Michael Pendry, mostrando um coração diferente das representações clássicas com "muitas partes abertas", "angular", "ferido". "É assim também em nosso ser mais íntimo, no centro de nosso ser, no centro de nosso coração! Ainda hoje, o caminho para a cura é um enorme desafio, para alguns é enfrentado com dificuldade, para outros não é possível, apesar de todos os seus esforços e desejos", escrevem eles. Por fim, o grupo direciona a mensagem ao Papa: "o senhor se dirige a mulheres e homens que foram feridos, humilhados e marcados por toda a vida. Mas, ao mesmo tempo, mulheres e homens que não se conformam com o que aconteceu. Pessoas de cabeça erguida, íntegras e com uma forte vontade de viver e sobreviver".
Iniciativa apoiada pela Arquidiocese
Nesta quinta-feira (18), o grupo se reúne com o Padre Hans Zollner, diretor do Instituto de Antropologia da Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma para novas discussões, mas a peregrinação simbólica de bicicleta terminou oficialmente nesta quarta (17) à noite, com o apoio da Arquidiocese de Munique-Freising, que, em relação à questão do abuso, sempre reiterou sua vontade absoluta de lançar luz e sua disposição incondicional de cooperar com as autoridades estaduais, convidando também as pessoas a relatarem quaisquer casos suspeitos de abuso aos contatos independentes da Arquidiocese.
Como uma das primeiras na Alemanha, a Igreja de Munique encomendou um relatório independente ao escritório de advocacia Westpfahl Spilker Wastl sobre casos de abuso entre 1945 e 2019. Como resultado do relatório, foram iniciadas investigações para esclarecer o comportamento incorreto dos líderes da Igreja. As investigações foram encerradas no final de março, seja por suspeitas insuficientes ou porque os fatos haviam sido prescritos.
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