PAPA
O diálogo China-Santa Sé e o realismo do Papa
Gianni Valente*
"Estou feliz com o diálogo com a China. O resultado é bom. Até para a nomeação de bispos se trabalha com boa vontade." Foi assim que o Papa Francisco se expressou na última sexta-feira (13/09) ao falar do diálogo entre o governo chinês e a Santa Sé, durante a conversa com a mídia que ocorreu durante o voo que o trouxe de volta de Singapura para Roma. Na imprensa internacional, esse diálogo e o Acordo Provisório, que é um importante instrumento, não estão isentos de críticas. No entanto, se nos atermos aos fatos, o julgamento papal é um ato de simples realismo cristão.
Alguns dados
Para avaliar corretamente as palavras do Papa Francisco diante da pergunta feita por Stefania Falasca para o jornal on-line chinês Tianou Zhiku, vale a pena ter em mente alguns dados recentes. E também convém não esquecer o passado que precedeu a atual fase histórica.
- Desde 22 de setembro de 2018, dia em que foi assinado o Acordo Provisório, todos os bispos católicos da República Popular da China estão em plena e pública comunhão hierárquica com o Papa. Não houve mais ordenações episcopais ilegítimas, aquelas celebradas sem o consentimento papal, que haviam dilacerado gravemente a comunhão eclesial entre os católicos chineses desde o final da década de 1950.
- Nos últimos 6 anos, também marcados por uma fase de contatos rarefeitos nas relações entre as partes durante o período da pandemia, 9 novas ordenações episcopais católicas foram realizadas na China. No mesmo período, 8 bispos chamados “não oficiais”, ordenados no passado fora dos protocolos impostos pelos aparatos chineses, pediram e obtiveram o reconhecimento público de seu papel até mesmo pelas autoridades políticas em Pequim (um deles, o idoso Peter Lin Jiashan, bispo de Fuzhou, que faleceu mais tarde, em abril de 2023). Assim, o número de dioceses chinesas vagas está diminuindo gradualmente.
- Em 2018 e depois em 2023, dois bispos da República Popular da China participaram das Assembleias do Sínodo dos Bispos em Roma. Nas décadas anteriores, nenhum bispo da China continental pôde participar do Concílio Vaticano II e das Assembleias Gerais do Sínodo dos Bispos, assembleias nas quais se manifesta a comunhão de toda a Igreja Católica.
- Nos últimos anos, grupos de católicos da China continental participaram da Jornada Mundial da Juventude em Lisboa. Os peregrinos chineses viram o Sucessor de Pedro ao vivo em Roma e durante suas visitas apostólicas à Tailândia, Mongólia e Singapura. Vários bispos chineses também puderam participar de encontros, conferências e momentos de comunhão eclesial na Europa e na América.
- Cresceram as oportunidades de iniciar processos de reconciliação nas comunidades eclesiásticas que estiveram divididas por décadas.
O tesouro que floresce
A avaliação do Papa Francisco reconhece dados da realidade geralmente ignorados em tantas análises da questão “China-Vaticano”. Dados da realidade que, em vez disso, representam a bússola seguida pelo Bispo de Roma e pela Santa Sé para estar perto e acompanhar a jornada dos católicos chineses no contexto em que vivem e testemunham seu amor por Cristo. Os bispos são os sucessores dos apóstolos. E o acordo com o governo chinês sobre a nomeação de bispos tem a ver com a natureza íntima da Igreja, com sua missão apostólica e com as lacerações eclesiais que, na China, nas últimas décadas, dividiram o clero e os leigos, as comunidades e as próprias famílias.
São os bispos que ordenam os sacerdotes. Portanto, o Acordo também tem a ver com a validade e a eficácia dos sacramentos celebrados em paróquias e capelas na República Popular da China. Bens que pertencem a uma ordem diferente das grades políticas mais populares dos últimos tempos.
A intenção do Papa e da Sé Apostólica não é afirmar a supremacia de uma ordem política. Sua tarefa é confirmar os irmãos na fé, confortá-los e apoiá-los no caminho de orações, proclamação do Evangelho, obras de caridade, no contexto em que se encontram.
Na China continental, enfatizou o cardeal Luis Antonio Tagle, pró-prefeito do Dicastério para a Evangelização, ”há toda uma rede viva composta de orações, liturgias, catequese e iniciativas pastorais diretamente inspiradas pelo magistério ordinário do Papa. É uma rede que se entrelaça com a vida eclesial cotidiana de cada uma das dioceses e comunidades católicas chinesas. É uma realidade viva e intensa de fé, que vive e expressa a comunhão diária de fé com o Sucessor de Pedro e com toda a Igreja universal, mesmo que seja geralmente ignorada pela mídia quando se fala do catolicismo chinês”.
Dentro de todos os condicionamentos devidos ao contexto político e social, a vida eclesial na China prossegue em sua normalidade também nas dioceses que estão recuperando a estabilidade depois de longos anos de incertezas e divisões, depois de mudanças que também puderam ocorrer graças ao diálogo estabelecido entre a Santa Sé e as autoridades governamentais.
Considerando apenas os últimos dias, as crônicas locais da Igreja relatam que, na Festa da Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria, o bispo Joseph Shen Bin, de Xangai, celebrou o batismo de 41 catecumenos, na presença de mais de 2.500 fiéis. O bispo Paul Xiao Zejiang, da diocese de Guiyang, celebrando a mesma festa mariana, confidenciou que, nos 17 anos de episcopado, “apesar das dificuldades, com a proteção de nossa Mãe celestial e a orientação do Senhor, muitas vezes encontro conforto em minha vida como pastor”.
Na diocese de Shantou, em vista da “Festa da Lua” (que acontece em 17 de setembro), muitos voluntários, juntamente com o bispo Joseph Huang Bingzhang, visitaram o Centro de Reabilitação, que também abriga pessoas afetadas pela hanseníase, levando doces típicos do festival e outros materiais úteis para os pacientes. O bispo Huang, ordenado sem mandato papal em 2011, pôde voltar à plena comunhão eclesial com o Papa em 2018, no contexto da assinatura do Acordo Provisório sobre as Nomeações dos Bispos Chineses. As obras e os gestos de salvação e cura, a única razão de ser de toda atividade eclesial, podem continuar a florescer encontrando formas de legitimação mesmo na China de hoje, tal como ela é. Esse é o tesouro que o Papa estima. Em plena e consoladora harmonia com o sensus fidei da maioria dos católicos chineses.
*diretor da Agência de Notícias Fides
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